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segunda-feira, 1 de julho de 2013

0,20 centavos de esperanças e ilusões...

 
 
0,20 centavos de esperanças e ilusões...
Ricardo Guarnieri
Infelizmente eu não acredito em milagres, acho até que existem pessoas sérias que se debruçam sobre o tema e tem bons argumentos a favor, mas infelizmente minha parca inteligência não consegue concebê-los.
Na vida, aquela história de que somos um dentre os milhões de espermatozóides, é como se de repente, cada espermatozóide estivesse equipado de consciência e somente um deles sabe-se lá porque foi o grande vitorioso, ou mesmo um milagre, mas, por algum motivo que não vamos saber jamais, os outros não conseguiram chegar lá. Então a questão é: Milagre de quem? E porque esse e não aquele? Ou seja, impossível, a não ser a aleatoriedade mesmo.
Isso é muita paranóia, sem dizer que começaríamos a tecer uma colcha sem fim. Espíritas defendendo o destino e o porquê daquele espermatozóide em detrimento do outro; os cristãos defendendo o livre arbítrio e o espermatozóide que preferiu visitar outros orifícios; e muitos outros malucos com elucubrações das mais variadas.
Confesso que, eu mesmo ficaria maluco em tentar qualificar todas as teses acerca do espermatozóide vencedor. (sei lá baseado em que eu disse isso agora!!!).
Resumindo a questão: se existe milagre ou não, eu não sei, mas uma coisa é certa, nascer e continuar vivendo nesse mundo já é um milagre por si só. Não um milagre espontâneo, mas uma luta continua entre todas as intempéries que não escolhemos e tampouco podemos decidir.
Aproveitando o momento, vou me ater à um bom exemplo: Tenho lido e visto muita gente falando sobre os protestos, escrevendo, sugerindo, enfim..., então decidi dar a minha cota de contribuição.
Sei que de nada valerá, como nenhuma teve ou terá validade, mas como ainda vivemos num país aparentemente democrático e na democracia o que vale não é o conteúdo, mas a forma, vou eu também me arriscar nesse limbo social.
De fato, os últimos protestos têm uma característica inovadora, ou pelo menos revestida de aparente inovação. O modelo antigo, ou pelo menos démodé no momento, é o movimento vertical, com lideranças pré definidas e pauta de reivindicações minimamente objetivadas.
Entretanto, os neo-revolucionários do Brasil têm uma liderança horizontal e efêmera. Qualquer pessoa pode iniciar uma nova pauta através das redes sociais, basta um tema e um pouco de persuasão, pelo menos tem muita gente acreditando nisso, curtindo ou compartilhando os amigos que tem outros amigos e muito mais amigos dos amigos, virtuais é claro.
Nesses casos, as reivindicações são muitas e fragmentadas. Não existe uma agenda unitária, você vê no mesmo bolo, pedidos como: queremos honestidade na política; queremos apenar fumar unzinho; fora Feliciano; menos TV e mais educação; não a PEC 37; enfim, não vou conseguir relacionar toda essa multiplicidade de temas, e nem é essa a intenção.
Então, onde quero chegar?
Antes de responder essa pergunta, tenho visto muita gente bem intencionada acreditando na “revolução popular”, ou pelo menos legitimando o movimento. Cristovam Buarque, disse que violência é o povo ser tratado com descaso pelos hospitais brasileiros e morrendo por falta de leito hospitalar. Ricardo Boechat, disse que é preciso vandalismo diante das autoridades, como riscar seus carros, arremessar ovos, enfim, toda forma de agressão às instituições são libertárias, no mínimo.
Recorrentemente tenho escutado: o povo cansou, agora vamos tomar as ruas porque o país é nosso e se não fizerem o que queremos não vamos parar com as manifestações; os políticos terão que nos ouvir, pois é o povo que manda.
Contudo, tenho outras perguntas antes de responder onde quero chegar e se de fato o povo chegou ao poder. Vamos à elas:
- O que aconteceu com todos os analfabetos funcionais diplomados do nosso país? (Talvez uns 7 a cada 10 diplomados no ensino médio, e pelo menos 1/3 dos universitários certificados)
- O que aconteceu com a nossa Argentina de miseráveis? (quem acredita nessa lorota em relação ao fim da miséria)
- O que aconteceu com a cultura da estética do protesto e vanguardista que não passa de uma boa página da história? (ao que me parece o pop funk universitário está a todo vapor)
- O que aconteceu com as 44 horas semanais de exploração nossa de cada dia, em ônibus lotados e mais umas 30 horas empoleirados? (não me parece que agora teremos horas extras por tempo perdido em ônibus com cadeiras cativas e confortáveis ao som de Vila Lobos ou mesmo Karina Bhur).
- O que aconteceu com as escolas reprodutoras dos status quo e sem nenhuma prática e sentido libertário? (ao que me parece continuamos sentados enfileirados e treinados para o mundo do trabalho alienado).
São tantas as questões que poderia ficar fazendo-as quase que infinitamente, mas, não consigo compreender como um povo que até outro dia era reconhecido como uma massa de ignorantes de repente passou a tomar consciência de todos os seus problemas e agora está pronto para todas as mudanças necessárias que tanto precisamos.
É como se de repente tivéssemos tomado, ou melhor, toda aquela coisa de consciência histórica fizesse parte da nossa realidade. É como se todo estofo necessário submergisse do inconsciente para um esclarecimento irradiante (nem o iluminismo previu tanta magnitude e vitalidade).
Não estou dizendo com isso que não somos um povo guerreiro, ao contrário, somos até demais, tanto que matamos mais pessoas em um ano do que qualquer guerra assumidamente declarada por todos os cantos desse mundo.
Desculpem-me os otimistas, incluo aqui Frei Beto que disse: “a cabeça pensa onde os pés pisam”. Diria inclusive que a cabeça pisa em chãos nunca vistos, mas para tanto é preciso se alimentar de utopias, e nisso reside a incompetência das nossas esquerdas, que nos fizeram o favor de romper com as utopias para o self pragmático e com muito mais eficiência que qualquer liberal pudesse imaginar. Quem não lembra da carta aberta aos brasileiros de Lula em 2002?.  
Desculpem-me novamente, mas para mim, isso parece muito mais uma catarse coletiva. Sabe aquela gota que faltava para o copo transbordar. Isso numa sessão psicanalítica já é um transbordamento, imagine numa dimensão geométrica, como é o caso das compulsões sociais.
Não tenho medo da “revolta” popular, penso até que já passou da hora, mas a questão é outra. Quando desconsideramos a história, o seu resultado é implacável, e exemplos não nos faltam. Maquiavel é um bom professor, e se queremos algo mais recente é só voltar a Hitler, conduzido ao poder pelos braços do povo.
Dias atrás, minha cidade de 12 mil habitantes também aderiu ao movimento “Acorda Brasil” (tanto os cidadãos como o Poder Executivo), veja como uma catarse coletiva é poderosa. Muito bem, jovens entusiasmadíssimos, cheios de energia, coisa que inclusive sempre apoiei e participei (e por hora fora de forma, mas até a copa estou pronto rsrs). Mas qual a minha surpresa? (acho que nem tanto assim...)
A direita mais asquerosa e reacionária em meio aos jovens, inflando os juvenis e alimentando os egos de esquerdistas decadentes. Lamentável, e sabem por quê? Porque quando estamos numa batalha temos que saber quem é o alvo que será atingido e com quem estamos caminhando. É muita inocência acreditar que de repente estamos todos do mesmo lado. Do lado Brasil.
E para aprofundar ainda mais essa discussão, vou levantar uma tese: os movimentos têm atacado fortemente o Estado e de fato, esse precisa urgentemente ser repensado e ressignificado, afinal o máximo que este tem feito é cartoriar o sistema mercantilista absolutista, e ironicamente o Estado é uma das poucas instituições que o povo ainda tem acesso e certa mobilidade cidadã.
Por isso, qualquer tentativa de destruir o Estado de direito capenga que temos com certeza não é de interesse de quem de fato tem como horizonte idéias como liberdade, equidade social e econômica e corporeidade estética.
Não acredito no espontaneísmo puro, no voluntarismo, no altruísmo, no fazer sem nada esperar, não pelo menos quando se trata da arena política em dimensão tão alargada e difusa como é característica da sociedade liquida da contemporaneidade. (Ainda acredito na boa fé, mas essa está nos recônditos da amizade e de uma construção arqueológica da convivência). Nem mesmo a direita progressista acredita nessa canalhice descarada.
Podem dizer, é um começo. Ótimo, e isso me enche de esperanças. Mas insisto, o foco não é o Estado, ainda estamos apenas na superfície, e os 0,20 centavos não seriam tão significativos se não fosse o fato de pela primeira vez tentarmos travar o sistema, menos dinheiro, mais bifurcações.
Sei que ainda é inconsciente, mas é um alento, como diz o amigo César, vamos fazer uma greve geral e pedir pela diminuição dos nossos salários. Loucura? Não, e eu sei disso, e talvez seja na insanidade as nossas melhores chances de encontrar saídas mais lúcidas para aquilo que já é louco há pelo menos 500 anos.          
Talvez não tenha consigo chegar a lugar nenhum, e nem tenho tanta certeza assim se alguém sabe onde vamos chegar, na verdade ninguém sabe, e qualquer vendedor do mapa da mina, mente, ou por inocência ou maledicência, o mais provável.
Sabemos que as estradas atuais já não nos levam ao lugar que de fato a humanidade precisa e possa se sustentar nesse planeta finito e cheio de possibilidades.  E é nesse ponto que reside toda a beleza que necessitamos, o caminho está por vir, por se fazer, é a nossa chance de protagonizarmos, de florirmos, de abrirmos novos caminhos.
É de mãos dadas com a história e convicções fortes e dialogadas que vamos abrir essa picada na mata, fora disso é cair em plena selva ao lado da fera faminta e rezar por um milagre. Prato cheio para as ovelhas da prosperidade.
Milagre? Quem sabe o conhecimento árduo e longínquo, o esforço dialógico, as teias que tantas pontas tramamos sem muitas vezes terminar não passe de perfumaria barata, ou mesmo uma quimera da nossa consciência?
Tudo é possível...mas não pra mim, infelizmente...