24 horas são insuficientes para nossa despedida
Ricardo Guarnieri
Terminou por esses dias mais uma temporada da série 24 horas, mas não vou aqui tecer comentários a favor e muito menos negativos, penso que já existe muita gente fazendo isso e sendo muito bem pago pra essa empreitada.
Na verdade, quero só falar algumas coisinhas: puxa vida, o cara é um herói e nunca se dá bem (tudo bem, eu sei que os americanos bons são assim mesmo, fazem o bem pro mundo todo e não querem nada em troca), fora que o cara é foda né (bom soldado, bom de tecnologia, bom político, bom cidadão, bom amante “afinal todos morrem por ele”, sensível e forte, “tudo depende do que querem dele”), bom é isso. Na verdade eu tenho uma curiosidade: tirando as 24 horas em que o filme ocorre, o que Jack Bauer faz nas outras todas 24 horas da sua vida?
Então: vamos ao que interessa. Tem duas coisas que quero tratar aqui. A primeira é a mensagem que fica dessa última temporada, na qual a presidenta nos últimos momentos faz um exame de consciência e percebe que os fins não justificam os meios, graças a Bauer (é obvio) e com isso humilha o líder russo e de quebra faz aquilo que o mundo inteiro pensa, mas nunca faz.
A segunda é uma memória afetiva que me veio a tona: há mais ou menos uns 14 anos eu disputava uma eleição legislativa na minha cidade natal (Itapuí), naquela época eu era um comunista fervoroso e numa oportunidade, debatíamos eu e uma tia sobre ideologias e éticas e, ela de repente disse o seguinte: “todo homem tem o seu preço, basta saber qual o preço dele”. Na época fiquei muito ofendido, e disse a ela que tem pessoas que não se vendem jamais.
Infelizmente estava errado duplamente, primeio por acreditar que existiriam pessoas invendáveis, que engano, é claro que todos se vendem, basta que ofereçam aquilo que “a nossa liberdade quiser comprar”.
E o segundo engano foi acreditar que as pessoas se vendam por pouco ou muito dinheiro, enquanto que na verdade o dinheiro é apenas um meio, pois o que as pessoas almejam é muito mais. E esse muito mais é o diferencial, o problema é encontrar essa linha tênue que separa o dinheiro da fresta invísivel que mora em nosso ser (se é que temos um?). As vezes nem nós mesmos conseguimos enchergá-la, quando não, até conseguimos vê-la, mas por algum sentimento que não sei bem qual, fugimos, escondemos, segredamos de nós mesmos.
Algumas questões impertinentes:
Por que nos filmes as pessoas sempre fazem aquilo que deve, ainda que na vida real não?
Minha consciência me pertuba, e de repente alguma coisa me fez questionar, isto é: Será que toda essa moral dos bons moços dos filminhos de final feliz não são justamente os eugênicos da nossa potência de vida?
E aquela culpa então que esses heróis nos plantam. Puxa vida, somente eles são capazes, enquanto nós réles mortais ficamos nos torturando com culpas que não nos pertecem. O pior de tudo não é essa culpa introjetada em nossas mentes, mas sim o fato de aceitarmos a culpa passivamente e buscarmos uma solução miraculosa.
Tem também o anti-herói, aquele colega que chega e te diz: “você é um idiota, isso nada me atinge, eu não acredito em nada dessas ideologias mercadológicas, heroísticas,” enfim, argumentos não faltarão, sejam de ordem marxistas, liberais, ou quaisquer outras linhas intelectualizantes.
E mais uma vez nos sentimos o cocô do mosquito, ou seja, somos enganados pelos capitalistas do entretenimento, afinal quem mandou acreditarmos nas formulas prontas, e consequentemente também somos usurpados pelo conhecimento erudito, afinal nem criticizar somos capazes, pois ficamos vendo futebol e novela em vez de buscarmos conhecimentos que realmente valem à pena. (Todo mundo tem a solução, a minha é a culpa).
Qual seria o preço da nossa existência? Hoje por exemplo, o carros dos jogadores corinthianos foram alvejados depois do vexame diante do Tolima, e lá vem a imprensa, “isso não é torcedor, é bandido”, pois é, a propriedade privada é sagrada, já a emoção causada pela expectativa gerada por um grupo de milionários de calção e camiseta e uma bola na mão não conta.
Já, esta emoção contida que seja extravasada no seu santo lar, e seus filhos e esposa que aguentem. Eu também não aguento mais esses torcedores se acotovelando suvacos com suvacos, e ao final comendo o pão que o diabo amassou.
Basta! Estou lançando uma campanha: futebol daqui pra frente só quando o time chegar nas semi-finais, antes disso vamos fazer outra coisa da vida, sei lá: Levar os filhos pro parque, museu, cinema, a esposa pra jantar, balada, motel, enfim, não nos faltarão oportunidades. Já na tv, jogo somente uma vez por mês (Só pra vermos como anda nosso time na tabela e se os jogadores estão em dia fisicamente, mas o horário também tem que mudar, 20 horas).
É por isso que gosto do Jack, seu dia é só uma vez por ano, acho que não aguentaria um Bauer por 48 semanas no ano, haja saco né, até as melhores coisas da vida quando demais enjoam...
Já em relação ao meu preço, vamos ver quanto me oferecem...E não adianta tentar, 24 horas serão insuficientes para me convencer à despedida, quem sabe alguns minutos...