Total de visualizações de página

sábado, 9 de novembro de 2013

Quando tudo parece poder é porque não temos mais poder


 
 
Quando tudo parece poder é porque não temos mais poder

Ricardo Guarnieri

“o homem sem nenhum tipo de sinal ou apoio ou auxílio está condenado a inventar a cada instante o homem” (Jean Paul Sartre, filósofo francês)

 

O que dizer quando tudo já foi dito?

O que pensar quando não é mais preciso pensar?

O que fazer quando tudo que fazemos já vem pronto?

O que criar quando tudo que temos é mais do mesmo?

O que entender quando tudo já vem explicado?

O que ver quando tudo depende do olhar?

O que sonhar quando o que vale é a realidade?

O que poetizar quando apenas o cálculo resolve?

O que perguntar quando a resposta já está pronta?

O que cozinhar quando a receita já vem pronta?

O que amar quando todos dizem - eu te amo?

O que esperar quando todo o tempo já se expirou?

O que descobrir quando todos os segredos já foram ditos?

O que desenhar quando tudo já está nos aplicativos?

O que guardar quando tudo está sendo filmado?  

O que escrever quando ninguém mais lê?

O que estudar quando tudo depende de manuais?

O que responder quando todo mundo tem razão?

O que ouvir quando ninguém tem tempo pra falar?
 
O que falar quando ninguém quer ouvir?
 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

0,20 centavos de esperanças e ilusões...

 
 
0,20 centavos de esperanças e ilusões...
Ricardo Guarnieri
Infelizmente eu não acredito em milagres, acho até que existem pessoas sérias que se debruçam sobre o tema e tem bons argumentos a favor, mas infelizmente minha parca inteligência não consegue concebê-los.
Na vida, aquela história de que somos um dentre os milhões de espermatozóides, é como se de repente, cada espermatozóide estivesse equipado de consciência e somente um deles sabe-se lá porque foi o grande vitorioso, ou mesmo um milagre, mas, por algum motivo que não vamos saber jamais, os outros não conseguiram chegar lá. Então a questão é: Milagre de quem? E porque esse e não aquele? Ou seja, impossível, a não ser a aleatoriedade mesmo.
Isso é muita paranóia, sem dizer que começaríamos a tecer uma colcha sem fim. Espíritas defendendo o destino e o porquê daquele espermatozóide em detrimento do outro; os cristãos defendendo o livre arbítrio e o espermatozóide que preferiu visitar outros orifícios; e muitos outros malucos com elucubrações das mais variadas.
Confesso que, eu mesmo ficaria maluco em tentar qualificar todas as teses acerca do espermatozóide vencedor. (sei lá baseado em que eu disse isso agora!!!).
Resumindo a questão: se existe milagre ou não, eu não sei, mas uma coisa é certa, nascer e continuar vivendo nesse mundo já é um milagre por si só. Não um milagre espontâneo, mas uma luta continua entre todas as intempéries que não escolhemos e tampouco podemos decidir.
Aproveitando o momento, vou me ater à um bom exemplo: Tenho lido e visto muita gente falando sobre os protestos, escrevendo, sugerindo, enfim..., então decidi dar a minha cota de contribuição.
Sei que de nada valerá, como nenhuma teve ou terá validade, mas como ainda vivemos num país aparentemente democrático e na democracia o que vale não é o conteúdo, mas a forma, vou eu também me arriscar nesse limbo social.
De fato, os últimos protestos têm uma característica inovadora, ou pelo menos revestida de aparente inovação. O modelo antigo, ou pelo menos démodé no momento, é o movimento vertical, com lideranças pré definidas e pauta de reivindicações minimamente objetivadas.
Entretanto, os neo-revolucionários do Brasil têm uma liderança horizontal e efêmera. Qualquer pessoa pode iniciar uma nova pauta através das redes sociais, basta um tema e um pouco de persuasão, pelo menos tem muita gente acreditando nisso, curtindo ou compartilhando os amigos que tem outros amigos e muito mais amigos dos amigos, virtuais é claro.
Nesses casos, as reivindicações são muitas e fragmentadas. Não existe uma agenda unitária, você vê no mesmo bolo, pedidos como: queremos honestidade na política; queremos apenar fumar unzinho; fora Feliciano; menos TV e mais educação; não a PEC 37; enfim, não vou conseguir relacionar toda essa multiplicidade de temas, e nem é essa a intenção.
Então, onde quero chegar?
Antes de responder essa pergunta, tenho visto muita gente bem intencionada acreditando na “revolução popular”, ou pelo menos legitimando o movimento. Cristovam Buarque, disse que violência é o povo ser tratado com descaso pelos hospitais brasileiros e morrendo por falta de leito hospitalar. Ricardo Boechat, disse que é preciso vandalismo diante das autoridades, como riscar seus carros, arremessar ovos, enfim, toda forma de agressão às instituições são libertárias, no mínimo.
Recorrentemente tenho escutado: o povo cansou, agora vamos tomar as ruas porque o país é nosso e se não fizerem o que queremos não vamos parar com as manifestações; os políticos terão que nos ouvir, pois é o povo que manda.
Contudo, tenho outras perguntas antes de responder onde quero chegar e se de fato o povo chegou ao poder. Vamos à elas:
- O que aconteceu com todos os analfabetos funcionais diplomados do nosso país? (Talvez uns 7 a cada 10 diplomados no ensino médio, e pelo menos 1/3 dos universitários certificados)
- O que aconteceu com a nossa Argentina de miseráveis? (quem acredita nessa lorota em relação ao fim da miséria)
- O que aconteceu com a cultura da estética do protesto e vanguardista que não passa de uma boa página da história? (ao que me parece o pop funk universitário está a todo vapor)
- O que aconteceu com as 44 horas semanais de exploração nossa de cada dia, em ônibus lotados e mais umas 30 horas empoleirados? (não me parece que agora teremos horas extras por tempo perdido em ônibus com cadeiras cativas e confortáveis ao som de Vila Lobos ou mesmo Karina Bhur).
- O que aconteceu com as escolas reprodutoras dos status quo e sem nenhuma prática e sentido libertário? (ao que me parece continuamos sentados enfileirados e treinados para o mundo do trabalho alienado).
São tantas as questões que poderia ficar fazendo-as quase que infinitamente, mas, não consigo compreender como um povo que até outro dia era reconhecido como uma massa de ignorantes de repente passou a tomar consciência de todos os seus problemas e agora está pronto para todas as mudanças necessárias que tanto precisamos.
É como se de repente tivéssemos tomado, ou melhor, toda aquela coisa de consciência histórica fizesse parte da nossa realidade. É como se todo estofo necessário submergisse do inconsciente para um esclarecimento irradiante (nem o iluminismo previu tanta magnitude e vitalidade).
Não estou dizendo com isso que não somos um povo guerreiro, ao contrário, somos até demais, tanto que matamos mais pessoas em um ano do que qualquer guerra assumidamente declarada por todos os cantos desse mundo.
Desculpem-me os otimistas, incluo aqui Frei Beto que disse: “a cabeça pensa onde os pés pisam”. Diria inclusive que a cabeça pisa em chãos nunca vistos, mas para tanto é preciso se alimentar de utopias, e nisso reside a incompetência das nossas esquerdas, que nos fizeram o favor de romper com as utopias para o self pragmático e com muito mais eficiência que qualquer liberal pudesse imaginar. Quem não lembra da carta aberta aos brasileiros de Lula em 2002?.  
Desculpem-me novamente, mas para mim, isso parece muito mais uma catarse coletiva. Sabe aquela gota que faltava para o copo transbordar. Isso numa sessão psicanalítica já é um transbordamento, imagine numa dimensão geométrica, como é o caso das compulsões sociais.
Não tenho medo da “revolta” popular, penso até que já passou da hora, mas a questão é outra. Quando desconsideramos a história, o seu resultado é implacável, e exemplos não nos faltam. Maquiavel é um bom professor, e se queremos algo mais recente é só voltar a Hitler, conduzido ao poder pelos braços do povo.
Dias atrás, minha cidade de 12 mil habitantes também aderiu ao movimento “Acorda Brasil” (tanto os cidadãos como o Poder Executivo), veja como uma catarse coletiva é poderosa. Muito bem, jovens entusiasmadíssimos, cheios de energia, coisa que inclusive sempre apoiei e participei (e por hora fora de forma, mas até a copa estou pronto rsrs). Mas qual a minha surpresa? (acho que nem tanto assim...)
A direita mais asquerosa e reacionária em meio aos jovens, inflando os juvenis e alimentando os egos de esquerdistas decadentes. Lamentável, e sabem por quê? Porque quando estamos numa batalha temos que saber quem é o alvo que será atingido e com quem estamos caminhando. É muita inocência acreditar que de repente estamos todos do mesmo lado. Do lado Brasil.
E para aprofundar ainda mais essa discussão, vou levantar uma tese: os movimentos têm atacado fortemente o Estado e de fato, esse precisa urgentemente ser repensado e ressignificado, afinal o máximo que este tem feito é cartoriar o sistema mercantilista absolutista, e ironicamente o Estado é uma das poucas instituições que o povo ainda tem acesso e certa mobilidade cidadã.
Por isso, qualquer tentativa de destruir o Estado de direito capenga que temos com certeza não é de interesse de quem de fato tem como horizonte idéias como liberdade, equidade social e econômica e corporeidade estética.
Não acredito no espontaneísmo puro, no voluntarismo, no altruísmo, no fazer sem nada esperar, não pelo menos quando se trata da arena política em dimensão tão alargada e difusa como é característica da sociedade liquida da contemporaneidade. (Ainda acredito na boa fé, mas essa está nos recônditos da amizade e de uma construção arqueológica da convivência). Nem mesmo a direita progressista acredita nessa canalhice descarada.
Podem dizer, é um começo. Ótimo, e isso me enche de esperanças. Mas insisto, o foco não é o Estado, ainda estamos apenas na superfície, e os 0,20 centavos não seriam tão significativos se não fosse o fato de pela primeira vez tentarmos travar o sistema, menos dinheiro, mais bifurcações.
Sei que ainda é inconsciente, mas é um alento, como diz o amigo César, vamos fazer uma greve geral e pedir pela diminuição dos nossos salários. Loucura? Não, e eu sei disso, e talvez seja na insanidade as nossas melhores chances de encontrar saídas mais lúcidas para aquilo que já é louco há pelo menos 500 anos.          
Talvez não tenha consigo chegar a lugar nenhum, e nem tenho tanta certeza assim se alguém sabe onde vamos chegar, na verdade ninguém sabe, e qualquer vendedor do mapa da mina, mente, ou por inocência ou maledicência, o mais provável.
Sabemos que as estradas atuais já não nos levam ao lugar que de fato a humanidade precisa e possa se sustentar nesse planeta finito e cheio de possibilidades.  E é nesse ponto que reside toda a beleza que necessitamos, o caminho está por vir, por se fazer, é a nossa chance de protagonizarmos, de florirmos, de abrirmos novos caminhos.
É de mãos dadas com a história e convicções fortes e dialogadas que vamos abrir essa picada na mata, fora disso é cair em plena selva ao lado da fera faminta e rezar por um milagre. Prato cheio para as ovelhas da prosperidade.
Milagre? Quem sabe o conhecimento árduo e longínquo, o esforço dialógico, as teias que tantas pontas tramamos sem muitas vezes terminar não passe de perfumaria barata, ou mesmo uma quimera da nossa consciência?
Tudo é possível...mas não pra mim, infelizmente...
 
 
 


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Quantos Vadicos terão que morrer?

 
 
 
Quantos Vadicos terão que morrer?
Ricardo Guarnieri
        Essa é só mais uma pergunta para as estatísticas, entretanto não pra mim e mais meia dúzia de gatos pingados. Sei que todos os dias são muitos deles que se vão em nome do progresso ilimitado, enquanto a vida, essa sim limitada.
        Quais seriam os motivos? Quem se importa com os motivos?
        Novamente as estatísticas elucubradora de políticas publicas de algum órgão responsável pelo melhor caminho. Mas é uma pena, porque a vida não se refaz depois de um segundo de descuido. A vida não perdoa, nem sequer um segundo, ao contrário do relógio que pode voltar ou adiantar, o tempo da vida tem lógica própria, e não pára um minuto sequer, ao mínimo descuido com a jóia rara... acabou, ou simplesmente, fim de linha.
        Não é hora de buscar culpados, afinal antes mesmo do seu fim, o culpado já está condenado. É o maldito sono que nos é roubado pela faca da cultura do parcelamento e do desenvolvimento, afinal, todo trabalhador merece ter o seu carrinho zero, ainda que esse custe alguns anos de sono.
        A matemática é simples: quanto mais tempo se ganha, menos vida se sobra. Será que alguém ganha com isso? Talvez. Mas não vamos ser simplistas e achar que o senhor simplesmente é o culpado pela pressão que exerce sobre o tempo do corredor. Isso  seria muita afetação esquerdista.
        Obviamente que a vida para o senhor exige menos riscos, afinal ficar atrás de uma mesa e pressionando ao telefone é menos arriscado. Talvez não muito menos pela face oculta das bolsas mundiais que estão ditando todos os absolutos valores.
        Por outro lado não podemos deixar de pensar em nossos irmãos do norte, que viajam em verdadeiras maquinas mais potentes, mais confortáveis e mais seguras.
A matemática é simples novamente, enquanto nossos irmãos do norte levam 22 toneladas em 600 cavalos e 5 eixos, nós aqui no sul levamos 60 toneladas em 500 cavalos, com 9 eixos. Sobre a infra-estrutura e catracas livres prefiro nem comentar.
Novamente, não vou simplesmente eleger um culpado, mas com certeza precisamos parar e pensar (apesar de que não acredito muito nessa hipótese). Enquanto isso, vamos prorrogando mais um pouco as leis que protegem o lado mais fraco da história (o que não tem nada de anormal, inclusive dizem que nem existe o lado mais fraco).
A pergunta que insiste é. Quantos Vadicos ainda terão que morrer? Na verdade essa não é a pergunta, mesmo porque Vadicos, Joãos, Pedros, Luizas são apenas ornamentos nessa engrenagem toda, e Chaplin lá no começo do século em seu Tempos Modernos já tinha nos alertado sobre a questão. Idiota somos nós, que insistimos com questões anacrônicas ao sistema.
Falar mal do sistema, questioná-lo, criticá-lo está fora de moda, é tão piegas que é possível ser excluído da rede. Por isso admito... Me rendo!
O senhor motorista dormiu. E que isso sirva de alerta aos outros, quando estiverem como sono, parem, e durman, nem que isso te custe alguns reais, afinal a vida vale muito mais do que qualquer carro zero, ainda que a novela das 9 insista, seja forte, você sempre será mais forte do que tudo e contra todas esses besteiras publicitárias que nos insistem através dos nosso filhos, esposa, vizinho, 3000 inserções diárias,  enfim, assuma sua culpa e deixe o mundo rolar.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Tempo é vida... a banda passa...



Tempo é vida... a banda passa...

Ricardo Guarnieri

 

“Estava à toa na vida... Pra ver a banda passar... O homem sério que contava dinheiro parou...” Mesmo soltos, os versos do Chico são geniais, quando lidos e ouvidos pelo todo mais ainda, não pelo todo, mas pelo deleite estético. Assim é a linguagem, ela nunca se encerra em si mesmo.

As vezes dizemos tudo que queremos, e o resultado é que ninguém entendeu o que de fato gostaríamos de ter dito. Outras vezes, o empréstimo que fazemos de um todo é o suficiente para dizer o que nem se quer tínhamos a pretensão de dizer.

        É por isso que levar a vida a sério é o mesmo que pensar que é possível parar a banda. Por isso, entre estar à toa na vida ou ter uma vida à toa não faz diferença nenhuma, a não ser pro discurso do convencimento do próprio sujeito, que, ou está assujeitado, ou asssujeintando está.

        ...

        Analisemos o que Clarice Lispector diz, não exatamente analiticamente, muito menos hermeneuticamente, mas apenas como exercício de quem para um pouquinho e pensa. “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.” Talvez o entendimento acerca da liberdade seja o mais enigmático na nossa língua, afinal como também poetizou Cecília Meireles, Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” 

        É quase uma heresia tentar explicar esses dois aforismos, bom, não é quase, é. Mas enfim, como nada é sagrado a não ser o simples fato de que alguém assim o disse, e outro alguém assim aceitou, vamos então partir para o profano.

        Liberdade é uma palavra ou um sentimento? Um sentimento que de repente a humanidade nomeou de liberdade para exprimir aquilo que tanto angustiava os homens? Ou seria apenas uma palavra para dizer aquilo que nunca seríamos capazes de sentir na sua totalidade simplesmente pela falta do que dizer, então criamos mais uma palavra incompleta?

        O desejo nunca está completo, e por mais liberdade que conquistemos, ainda falta dizer o que não tem nome. E é dessa tautologia que nos alimentamos. Tirar isso do humano não é uma possibilidade, ou então, simplesmente não existiria humano. Fogo, terra, ar, água, elementos essenciais para vida orgânica, mas incompletas para o bicho humano fazedor de incompletudes constituído de totais efêmeros e eternos incabamentos.

        ...

        As vezes falamos demais e morremos pela boca, outras vezes deixamos de dizer algo e também morremos pela falta de boca.

        Todos querem ter razão, ser donos da verdade, ou mesmo como dizem os pseudo democráticos, “quero apenas dizer a minha verdade”, como se fosse possível todo mundo ter uma verdade e simplesmente a sociedade chancelasse essa torre de Babel de todas as idiossincrasias. Assim dormiríamos felizes para sempre.

        Daí mais um engano do homem moderno e tecnocrático. Mas até aí qual o problema? Nenhum, afinal a verdade se transforma em apenas mais um dos fetiches e logo em seguida um produto a ser comprado e consumido.  

        É nesse ponto que entra Wittgenstein quando diz, "As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo." Ou seja: Que tamanho tem a sua linguagem? Qual o principio ético que rege a sua introdução? Em que tribuna você tem construído seus discursos? Qual o limiar entre o seu universo e a sua incompleta construção de relações?

        Somente suas respostas poderão dizer alguma coisa. Sei que no final tudo é linguagem. Contudo é por ela que podemos ter a cultura do diálogo e do fazimento estético, onde o tempo é a vida.

Ou uma cultura do tempo a ganhar, na qual o homem será sempre sério sem tempo de parar pra ver a banda passar porque precisava continuar contando dinheiro.
Mesmo assim, sempre sim, pois somente a vida merece o meu sim.
 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um ano em dois atos

 
 
Um ano em dois atos
Ricardo Guarnieri
O ano passado foi um daqueles que durarão por muito tempo na minha memória, talvez nunca se apague e muitos frutos ainda haverão de brotar, como esse que compartilho agora. Um agora que se forja sempre pelo que vivemos em nome daquilo que sonhamos em viver, e assim se faz o presente, entre um resvalo e outro, é a vida.
E a utopia continua no possível do sempre impossível presente que não se basta apenas em viver pra frente, sempre dependente de uma volta e meia nas paredes da memória, pelo menos enquanto as tenho. Sentido único e múltiplo da vida, se não lembramos, fenecemos, não apenas na carne, mas na vontade de poder (pelo menos comigo é assim, e desconfio que com todos que choram, assim seja).  
        Primeiro ato: o doce, mas nevrálgico Leonardo Boff. Estive com ele em duas ocasiões no ano passado, uma em Mogi (saudades), e a outra na Rio+20. O questionei sobre as escolas fincadas na ideologia desenvolvimentista, formadora de mão de obra, qualidade mirada para o mercado de trabalho, e a sua resposta foi suave e ensurdecedora, “A escola é a chocadeira do sistema...”  
        Penso que não preciso dizer mais nada, tudo está dito, mas nada resolvido. Mas o que é mesmo que precisa ser resolvido, dito? Nada...
Posso dizer apenas uma coisa, algumas coisas nos calam tão fundo que só nos resta continuar caminhando. Pelas mesmas estradas? Pode ser, mas vislumbrando novas paisagens, criando atalhos, parando, correndo, morrendo e vivendo, e voltando ao começo, com a história e ídolos matados, sem o mínimo de interesse pela chegada, apenas pelo simples prazer de ir indo.
        Segundo ato: depois de tanto sonhar, fui até o teatro Oficina e lá vi, participei, comi, senti e por fim, falamos. Aquele homem, que te come por tudo que pensa e diz, seu texto, sua gana, sua estética, sua tara num corpo que já não mais condiz, uma pena, afinal, a melhor idade não passa de alguns segundos a mais.
Mas vivi, e muito silenciosamente ecoando em mim algumas de suas palavras, e de toda aquela montanha, um fragmento me grudou, Somos todos bichos humanos iguais” . Tudo bem, até aí, nada de mais para um leitor médio, mas depois de todo aquele vinho, aquela práxis, aquela comida, é óbvio, se somos todos bichos humanos iguais, então preciso voltar e repensar toda a minha trajetória de comedor de viúvas negras.
Zé Celso não sente culpa. O homem? (mas isso já não me interessa mais), mas é o antropófago dos palcos meu intento, é aquela comida que fui (fomos???) buscar, é a igualdade na fome de compartilhar cada pedaço, é o abocanhar a existência pelo inteiro de cada naco suculento, é o jorrar pelos buracos possíveis e inimagináveis, é simplesmente viver e comer cada fragmento de suspiro, é viver indo.
As vezes é preciso fechar as cortinas, ter a coragem de um Walmor Chagas. Juízo nenhum é mais forte que a vontade de poder, nem mesmo os apelos de que a vida sempre vale a pena. Morrer de morte provocada às vezes é a única forma de provocar a vida a continuar indo. 
As cortinas se fecharam, mas não o palco da vida, apesar do amigo estranho engasgado no último gole de coca gelada, a vida continua indo... e é nesse balanço de lá pra cá, de cá pra lá, que o jardim da vida persiste em ir indo...