Tempo é vida... a banda passa...
Ricardo Guarnieri
“Estava
à toa na vida... Pra ver a banda passar... O
homem sério que contava dinheiro parou...” Mesmo soltos, os versos do Chico são
geniais, quando lidos e ouvidos pelo todo mais ainda, não pelo todo, mas pelo
deleite estético. Assim é a linguagem, ela nunca se encerra em si mesmo.
As vezes dizemos tudo que queremos, e o resultado é que
ninguém entendeu o que de fato gostaríamos de ter dito. Outras vezes, o
empréstimo que fazemos de um todo é o suficiente para dizer o que nem se quer
tínhamos a pretensão de dizer.
É por isso que levar a vida a sério é o
mesmo que pensar que é possível parar a banda. Por isso, entre estar à toa na
vida ou ter uma vida à toa não faz diferença nenhuma, a não ser pro discurso do
convencimento do próprio sujeito, que, ou está assujeitado, ou asssujeintando
está.
...
Analisemos o que Clarice Lispector diz,
não exatamente analiticamente, muito menos hermeneuticamente, mas apenas como
exercício de quem para um pouquinho e pensa.
“Liberdade
é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
Talvez o entendimento acerca da liberdade seja o mais enigmático na nossa
língua, afinal como também poetizou Cecília Meireles, “Liberdade é uma palavra que
o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”
É quase uma
heresia tentar explicar esses dois aforismos, bom, não é quase, é. Mas enfim,
como nada é sagrado a não ser o simples fato de que alguém assim o disse, e
outro alguém assim aceitou, vamos então partir para o profano.
Liberdade é uma
palavra ou um sentimento? Um sentimento que de repente a humanidade nomeou de
liberdade para exprimir aquilo que tanto angustiava os homens? Ou seria apenas uma
palavra para dizer aquilo que nunca seríamos capazes de sentir na sua
totalidade simplesmente pela falta do que dizer, então criamos mais uma palavra
incompleta?
O desejo nunca
está completo, e por mais liberdade que conquistemos, ainda falta dizer o que
não tem nome. E é dessa tautologia que nos alimentamos. Tirar isso do humano
não é uma possibilidade, ou então, simplesmente não existiria humano. Fogo,
terra, ar, água, elementos essenciais para vida orgânica, mas incompletas para
o bicho humano fazedor de incompletudes constituído de totais efêmeros e
eternos incabamentos.
...
As vezes falamos demais e morremos pela
boca, outras vezes deixamos de dizer algo e também morremos pela falta de boca.
Todos querem ter razão, ser donos da
verdade, ou mesmo como dizem os pseudo democráticos, “quero apenas dizer a
minha verdade”, como se fosse possível todo mundo ter uma verdade e
simplesmente a sociedade chancelasse essa torre de Babel de todas as
idiossincrasias. Assim dormiríamos felizes para sempre.
Daí mais um engano do homem moderno e
tecnocrático. Mas até aí qual o problema? Nenhum, afinal a verdade se
transforma em apenas mais um dos fetiches e logo em seguida um produto a ser
comprado e consumido.
É nesse ponto que entra Wittgenstein
quando diz, "As fronteiras da minha
linguagem são as fronteiras do meu universo." Ou seja: Que tamanho tem a sua
linguagem? Qual o principio ético que rege a sua introdução? Em que tribuna
você tem construído seus discursos? Qual o limiar entre o seu universo e a sua
incompleta construção de relações?
Somente suas respostas poderão dizer
alguma coisa. Sei que no final tudo é linguagem. Contudo é por ela que podemos
ter a cultura do diálogo e do fazimento estético, onde o tempo é a vida.
Ou uma cultura do tempo a ganhar, na qual o homem
será sempre sério sem tempo de parar pra ver a banda passar porque precisava
continuar contando dinheiro.
Mesmo assim, sempre sim, pois somente a vida merece o meu sim.