0,20 centavos de
esperanças e ilusões...
Ricardo Guarnieri
Infelizmente eu não acredito em milagres, acho até
que existem pessoas sérias que se debruçam sobre o tema e tem bons argumentos a
favor, mas infelizmente minha parca inteligência não consegue concebê-los.
Na vida, aquela história de que somos um dentre os
milhões de espermatozóides, é como se de repente, cada espermatozóide estivesse
equipado de consciência e somente um deles sabe-se lá porque foi o grande
vitorioso, ou mesmo um milagre, mas, por algum motivo que não vamos saber
jamais, os outros não conseguiram chegar lá. Então a questão é: Milagre de
quem? E porque esse e não aquele? Ou seja, impossível, a não ser a
aleatoriedade mesmo.
Isso é muita paranóia, sem dizer que começaríamos a
tecer uma colcha sem fim. Espíritas defendendo o destino e o porquê daquele
espermatozóide em detrimento do outro; os cristãos defendendo o livre arbítrio
e o espermatozóide que preferiu visitar outros orifícios; e muitos outros
malucos com elucubrações das mais variadas.
Confesso que, eu mesmo ficaria maluco em tentar
qualificar todas as teses acerca do espermatozóide vencedor. (sei lá baseado em
que eu disse isso agora!!!).
Resumindo a questão: se existe milagre ou não, eu
não sei, mas uma coisa é certa, nascer e continuar vivendo nesse mundo já é um
milagre por si só. Não um milagre espontâneo, mas uma luta continua entre todas
as intempéries que não escolhemos e tampouco podemos decidir.
Aproveitando o momento, vou me ater à um bom
exemplo: Tenho lido e visto muita gente falando sobre os protestos, escrevendo,
sugerindo, enfim..., então decidi dar a minha cota de contribuição.
Sei que de nada valerá, como nenhuma teve ou terá
validade, mas como ainda vivemos num país aparentemente democrático e na
democracia o que vale não é o conteúdo, mas a forma, vou eu também me arriscar
nesse limbo social.
De fato, os últimos protestos têm uma característica
inovadora, ou pelo menos revestida de aparente inovação. O modelo antigo, ou
pelo menos démodé no momento, é o movimento vertical, com lideranças pré definidas
e pauta de reivindicações minimamente objetivadas.
Entretanto, os neo-revolucionários do Brasil têm
uma liderança horizontal e efêmera. Qualquer pessoa pode iniciar uma nova pauta
através das redes sociais, basta um tema e um pouco de persuasão, pelo menos
tem muita gente acreditando nisso, curtindo ou compartilhando os amigos que tem
outros amigos e muito mais amigos dos amigos, virtuais é claro.
Nesses casos, as reivindicações são muitas e
fragmentadas. Não existe uma agenda unitária, você vê no mesmo bolo, pedidos
como: queremos honestidade na política; queremos apenar fumar unzinho; fora
Feliciano; menos TV e mais educação; não a PEC 37; enfim, não vou conseguir
relacionar toda essa multiplicidade de temas, e nem é essa a intenção.
Então, onde quero chegar?
Antes de responder essa pergunta, tenho visto muita
gente bem intencionada acreditando na “revolução popular”, ou pelo menos
legitimando o movimento. Cristovam Buarque, disse que violência é o povo ser
tratado com descaso pelos hospitais brasileiros e morrendo por falta de leito
hospitalar. Ricardo Boechat, disse que é preciso vandalismo diante das
autoridades, como riscar seus carros, arremessar ovos, enfim, toda forma de agressão
às instituições são libertárias, no mínimo.
Recorrentemente tenho escutado: o povo cansou,
agora vamos tomar as ruas porque o país é nosso e se não fizerem o que queremos
não vamos parar com as manifestações; os políticos terão que nos ouvir, pois é
o povo que manda.
Contudo, tenho outras perguntas antes de responder onde
quero chegar e se de fato o povo chegou ao poder. Vamos à elas:
- O que aconteceu com todos os analfabetos
funcionais diplomados do nosso país? (Talvez uns 7 a cada 10 diplomados no
ensino médio, e pelo menos 1/3 dos universitários certificados)
- O que aconteceu com a nossa Argentina de
miseráveis? (quem acredita nessa lorota em relação ao fim da miséria)
- O que aconteceu com a cultura da estética do
protesto e vanguardista que não passa de uma boa página da história? (ao que me
parece o pop funk universitário está a todo vapor)
- O que aconteceu com as 44 horas semanais de
exploração nossa de cada dia, em ônibus lotados e mais umas 30 horas
empoleirados? (não me parece que agora teremos horas extras por tempo perdido
em ônibus com cadeiras cativas e confortáveis ao som de Vila Lobos ou mesmo
Karina Bhur).
- O que aconteceu com as escolas reprodutoras dos
status quo e sem nenhuma prática e sentido libertário? (ao que me parece
continuamos sentados enfileirados e treinados para o mundo do trabalho
alienado).
São tantas as questões que poderia ficar fazendo-as
quase que infinitamente, mas, não consigo compreender como um povo que até outro
dia era reconhecido como uma massa de ignorantes de repente passou a tomar
consciência de todos os seus problemas e agora está pronto para todas as mudanças
necessárias que tanto precisamos.
É como se de repente tivéssemos tomado, ou melhor,
toda aquela coisa de consciência histórica fizesse parte da nossa realidade. É
como se todo estofo necessário submergisse do inconsciente para um
esclarecimento irradiante (nem o iluminismo previu tanta magnitude e
vitalidade).
Não estou dizendo com isso que não somos um povo
guerreiro, ao contrário, somos até demais, tanto que matamos mais pessoas em um
ano do que qualquer guerra assumidamente declarada por todos os cantos desse
mundo.
Desculpem-me os otimistas, incluo aqui Frei Beto
que disse: “a cabeça pensa onde os pés pisam”. Diria inclusive que a cabeça
pisa em chãos nunca vistos, mas para tanto é preciso se alimentar de utopias, e
nisso reside a incompetência das nossas esquerdas, que nos fizeram o favor de
romper com as utopias para o self pragmático e com muito mais eficiência que
qualquer liberal pudesse imaginar. Quem não lembra da carta aberta aos
brasileiros de Lula em 2002?.
Desculpem-me novamente, mas para mim, isso parece muito
mais uma catarse coletiva. Sabe aquela gota que faltava para o copo transbordar.
Isso numa sessão psicanalítica já é um transbordamento, imagine numa dimensão
geométrica, como é o caso das compulsões sociais.
Não tenho medo da “revolta” popular, penso até que
já passou da hora, mas a questão é outra. Quando desconsideramos a história, o
seu resultado é implacável, e exemplos não nos faltam. Maquiavel é um bom
professor, e se queremos algo mais recente é só voltar a Hitler, conduzido ao
poder pelos braços do povo.
Dias atrás, minha cidade de 12 mil habitantes
também aderiu ao movimento “Acorda Brasil” (tanto os cidadãos como o Poder
Executivo), veja como uma catarse coletiva é poderosa. Muito bem, jovens
entusiasmadíssimos, cheios de energia, coisa que inclusive sempre apoiei e
participei (e por hora fora de forma, mas até a copa estou pronto rsrs). Mas
qual a minha surpresa? (acho que nem tanto assim...)
A direita mais asquerosa e reacionária em meio aos
jovens, inflando os juvenis e alimentando os egos de esquerdistas decadentes. Lamentável,
e sabem por quê? Porque quando estamos numa batalha temos que saber quem é o
alvo que será atingido e com quem estamos caminhando. É muita inocência
acreditar que de repente estamos todos do mesmo lado. Do lado Brasil.
E para aprofundar ainda mais essa discussão, vou
levantar uma tese: os movimentos têm atacado fortemente o Estado e de fato, esse
precisa urgentemente ser repensado e ressignificado, afinal o máximo que este
tem feito é cartoriar o sistema mercantilista absolutista, e ironicamente o
Estado é uma das poucas instituições que o povo ainda tem acesso e certa
mobilidade cidadã.
Por isso, qualquer tentativa de destruir o Estado
de direito capenga que temos com certeza não é de interesse de quem de fato tem
como horizonte idéias como liberdade, equidade social e econômica e corporeidade
estética.
Não acredito no espontaneísmo puro, no
voluntarismo, no altruísmo, no fazer sem nada esperar, não pelo menos quando se
trata da arena política em dimensão tão alargada e difusa como é característica
da sociedade liquida da contemporaneidade. (Ainda acredito na boa fé, mas essa
está nos recônditos da amizade e de uma construção arqueológica da
convivência). Nem mesmo a direita progressista acredita nessa canalhice
descarada.
Podem dizer, é um começo. Ótimo, e isso me enche de
esperanças. Mas insisto, o foco não é o Estado, ainda estamos apenas na
superfície, e os 0,20 centavos não seriam tão significativos se não fosse o
fato de pela primeira vez tentarmos travar o sistema, menos dinheiro, mais
bifurcações.
Sei que ainda é inconsciente, mas é um alento, como
diz o amigo César, vamos fazer uma greve geral e pedir pela diminuição dos
nossos salários. Loucura? Não, e eu sei disso, e talvez seja na insanidade as nossas
melhores chances de encontrar saídas mais lúcidas para aquilo que já é louco há
pelo menos 500 anos.
Talvez não tenha consigo chegar a lugar nenhum, e
nem tenho tanta certeza assim se alguém sabe onde vamos chegar, na verdade
ninguém sabe, e qualquer vendedor do mapa da mina, mente, ou por inocência ou
maledicência, o mais provável.
Sabemos que as estradas atuais já não nos levam ao
lugar que de fato a humanidade precisa e possa se sustentar nesse planeta
finito e cheio de possibilidades. E é
nesse ponto que reside toda a beleza que necessitamos, o caminho está por vir,
por se fazer, é a nossa chance de protagonizarmos, de florirmos, de abrirmos
novos caminhos.
É de mãos dadas com a história e convicções fortes
e dialogadas que vamos abrir essa picada na mata, fora disso é cair em plena
selva ao lado da fera faminta e rezar por um milagre. Prato cheio para as
ovelhas da prosperidade.
Milagre? Quem sabe o conhecimento árduo e
longínquo, o esforço dialógico, as teias que tantas pontas tramamos sem muitas
vezes terminar não passe de perfumaria barata, ou mesmo uma quimera da nossa
consciência?
Tudo é possível...mas não pra mim, infelizmente...