Será que a Amanda Gurgel gosta de frango à passarinho?
Ricardo Guarnieri
O conhecimento realmente não tem lugar pra acontecer, normalmente se dá na sala de aula, ao menos deveria, o que nem sempre se confirma, mas a questão é que esse tal conhecimento não tem hora nem tão pouco lugar pra acontecer. E isso é muito bom que assim seja, como diz Guimarães Rosa, “mestre não é quem ensina, mas quem, de repente, aprende”, pois é senhores dos rankings educacionais.
Mas voltando e continuando e entrelaçando. Outro dia tive um almoço se não muito gostoso ao menos divertido, por isso resolvi transcrevê-lo. Tentarei ser o mais fiel que puder.
Era um restaurante por kilo. Estava eu na fila e logo ouvi uma conversa entre duas adolescentes que me chamou atenção pelo seu conteúdo. Estavam tomando a lição uma da outra enquanto faziam seus pratos (Como saborear a cor, textura, cheiro, sentidos, enfim, gozar pelo sabor se temos um vestibular que nos espera?).
O diálogo era o seguinte:
Menina 1-
__ A exportação ajuda no crescimento do país e em contrapartida aumenta o superávit primário, enquanto que a importação demasiada pode desquilibrar a balança comercial e gerar desempregos internamente.
Menina 2-
__ Mas não é a importação que facilita o acesso das pessoas a produtos que não temos produzidos no país?
Menina 1-
__ Pode ser, mas não é isso que interessa, pois o professor disse para nos concentrarmos nas exportações e seus efeitos para o Brasil, pois é isso que vai cair logo mais na prova.
Nesse momento não me aguentei e me intrometi na conversa e perguntei.
__ Vocês provavelmente farão uma prova logo mais, não é mesmo?
Assustadas pelo estranho que apareceu cruzando a conversa elas responderam em coro.
__ Sim, vamos, temos uma prova de história hoje a tarde.
Então prossegui e perguntei...
__ Posso fazer uma pergunta? (e antes que negassem ou não já fui logo perguntando).
Uma delas estava pegando frango a passarinho, aproveitei a deixa e questionei.
__ Qual a relação desse frango frito que vocês vão comer com o tema da prova?
Sem titubear elas responderam novamente em coro.
__ Nada né. (Com uma carinha do tipo, esse cara tá louco) pelo menos foi o que senti com aquele nada tão enfático, e olha que pelo uniforme que elas estavam usando, aquela é considerada a melhor escola de Mogi, o que dirá de nós pobres servidores do pastelão apresentado pela Amanda Gurgel.
Eu entendo. Exportação, importação, balança comercial, superávit primário, frango frito, exploração, injustiça social, trabalho, lucro, câncer, enfim, são assuntos totalmente desconexos, afinal isso de nada interessa para a industria do vestibular.
Eu não me contive com o nada cabal, olhei pra elas e respondi.
__ Puxa vida! Que pena né, vocês são tão jovens, com tanta energia e a escola roubam seus melhores tempos com tanta inutilidade e sofrimento.
Sem que elas pudessem me responder e a fila do kilo não parasse segui rumo a minha mesa, e por incrível que pareça naquele salão tão grande elas se sentaram numa mesa ao lado da minha, mas dali já não saiu mais nenhum diálogo, no máximo pensamentos soltos.
...
E logo em seguida esse discurso da nossa belissíma inteligência Amanda Gurgel, mais um professora entre tantas as milhares que temos visto por aí, contudo, trouxe em seus menos de 10 minutos de fala um discurso revelador.
Na verdade tudo que ela falou não é nenhuma novidade pra nós professores que estamos na sala de aula, mas a doçura e a firmeza de suas palavras balançaram o estandarte social. Ela falou de uma maneira que a muito tempo não sentíamos esse entusiamo e esperança. Uma fala simples e forte, comum e libertadora, me faltam palavras pra melhor exprimir toda a sua graça e resistência.
Confesso que uma alegria boa me invandiu e me fez renovar as esperanças que os professores ainda estão vivos, escondidos é o bem da verdade, mas que de repente algumas Fênixs ressurgem e trazem novos ares para nossos ventos tão mal cheirosos e inertes nesse lamaçal que a educação se apossou.
Gostei de todo o seu discurso, mas uma coisa me marcou muito, foi quando ela disse alguma coisa como: “...eles (os professores) não associam mais os nomes aos rostos dos alunos...” É verdade, eu vivo isso ano após ano, e meus colegas todos vivem a mesma coisa.
E o que isso tem de mal? Nada, afinal o que importa segundo os pseudos intelectuais jornalistas e economistas da nossa mídia é a qualidade total e os índices de aprendizagens.
Pois é querida Amanda, infelizmente não será dessa vez que seremos ouvidos, e não falo isso como sinal de desesperança e muito menos por pessimismo, ao contrário, como você mesma disse numa outra parte do seu discurso, “responda se os senhores conseguiriam viver com esse salário, claro se os senhores não forem ficar constrangidos”, então querida Amanda, eles não sabem e tão pouco sentem o que é constrangimento, não pegam ônibus, não fazem jornada dupla, quanto menos tripla e não precisam comer merenda, por fim, não precisam dos nossos votos pra se elegerem.
Na verdade, não dependem do voto de ninguém, no máximo que sejamos bonzinhos e os chancelemos na urna de quatro em quatro anos com o aval dos patrocinadores. Desculpe-me senhores eleitores pela falta de autonomia, pois o carro forte me impede que eu chegue próximo de urnas eletrônicas, posso confundi-las com caixas bancários e querer cair na tentação de levá-las pra casa e quando lá chegar abrir e não encontrar nada por se tratar de uma caixa com peso demasiado e conteúdo nulo.
Mas eu não desisto nunca, sou brasileiro acima de tudo e impelido pela paixão até mesmo dentro do caixão na falta de algo mais confortável...e que assim seja...