Um mundo de multiplicidades; Uma vida de escolhas.
Ricardo Guarnieri
__ Para que você existe?
Essa foi a pergunta de uma das minhas aulas num dia desses. Escrevi na lousa e comecei caminhar pela sala, e depois de um tempo de silêncio e inquietações, escolhi a primeira estudante para começarmos as nossas reflexões.
Enquanto caminhava pela sala, podia observar no olhar daquelas meninas muitas curiosidades, algumas torcendo para serem escolhidas, mesmo fazendo tipo quando escolhida; outras pedindo pelo amor de Deus para não serem escolhidas; outras mais comentando bem baixinho que pergunta é essa, professor; e muitas outras coisas que eu nem sei dizer. Na verdade, tudo aqui são suposições, mas afinal, o que não são suposições quando se trata do mundo humano?
Claro que tinha uma intenção. Sabia das minhas escolhas, mas a provocação deveria ser o aparte, ou então, de nada valeria minha pedagogia dialógica. Essa era inegociável.
Quando tudo parecia transcorrer normalmente, algumas mais sorridentes, outras mais pensativas, e outras também indiferentes, enfim, isso tudo não passa da minha mera interpretação de sujeito caolho e provocativo. Alguém pede a palavra e me diz:
__ Professor, quero te dizer que penso que estamos vendo muito pouco conteúdo, afinal já sabemos tão pouco, por isso gostaria que o senhor fosse mais rápido para que pudéssemos ver o maior numero de conteúdos possíveis.
Penso que foi mais ou menos isso que ela disse, mas fica em aberto essa questão, de qualquer maneira eu entendi o que ela queria dizer, ou seja, de um lado uma educação enciclopedista, conteudista, tecnicista, e na outra ponta a educação dialógica, reflexiva, libertária.
Não pude resistir, ainda mais porque me veio a cabeça dois filósofos, de um lado Kant, que dizia, “não se ensina filosofia, mas a filosofar.” E do outro, Schopenhauer, em seu “Picaretas da cátedra,” que recomendou, se quer aprender filosofia, então que vá aos originais, ou seja, leia os próprios filósofos sem a interferência de ninguém.
Pois bem, disse a ela.
__ Não poderei te ajudar, porque aqui não está em jogo um método, mas uma visão de mundo, uma escolha de como ir fazendo o mundo, lamento não poder dar conta das suas expectativas, porque isso é inegociável, mas com certeza você encontrará outros que poderão ajudá-la.
Claro que de tudo isso alguns ruídos não estão tão bem explicados, mas o que importa mesmo disso tudo é dizer que estamos num momento histórico altamente polarizado, e isso está muito evidente a meu ver.
Veja só o que disse dois pré-candidatos do partido republicano a presidência dos EUA nos últimos dias em relação aos anonymous americanizados: “Não culpe Wall Street nem os grandes bancos. Se você não é rico nem tem emprego, culpe a si mesmo.” Herman Cain, observe que em sua fala o fatalismo vem disfarçado de mérito, competência, eficiência, enfim, todos os atributos dos super sujeitos que o mundo liberal tanto sobrepujou nesse último século em relação aos seus oponentes.
Contudo, não é o que parece para o seu concorrente, ainda que novamente num golpe eufemista numa tentativa de guinada aos menos favorecidos americanos (isso sim é um eufemismo a nós do terceiro mundo!!!), “Isso é perigoso, isso é luta de classes.” Mitt Romney. Interssante, talvez com um século de atraso, mas como diz o ditado, antes tarde do que nunca.
Enfim, aqui temos um mundo, e é bom que se diga o vencedor, ou pelo menos na aparência tem sido, digo aparência, porque quando pensamos no mundo é o máximo que conseguimos ver, não na carne, porque esse já é outro assunto, daí as suas multiplicidades.
E é por isso que recorro novamente a pergunta inicial. __ Para que você existe? Goethe, o poeta alemão sabia muito bem o que Platão já havia nos lembrado, “Eu existo para admirar...” Não existe nada melhor do que existir para admirar, ainda que seja o sombrio, o tenebroso, o caótico, o injusto.
Daí a necessidade de recorrer a Paulo Freire, quando diz:
Os liberais chegam e enunciam a morte da história, sem que os homens e as mulheres tenham morrido. Os liberais dizem que todo mundo se tornou igual. Uma tragicidade do intelectual do terceiro mundo, como nós, é que damos aulas de pós-modernidade e convivemos com 30 milhões de miseráveis, no Brasil, que não chegaram sequer à modernidade, não passaram da tradicionalidade, da consciência mágica que eu chamei de intransitiva. Eu nego a validade desse discurso.
É imperativo uma escolha, e essa não é simplesmente de um mundo, mas de uma vida, por isso, posso até negociar a minha sobrevivência, mas as minhas idéias jamais, e nelas estão inclusos a luta por uma história viva, por um pensamento autônomo, crítico, pelo reconhecimento dos vários mundos mas sempre sabendo por qual eu quero, luto, crio, erro, pondero, contradigo, mas jamais abandono.
Se existem muitos lados, mas só posso ficar em um, então escolho o mundo de pessoas que somente serão mais se forem juntas, ao invés dos mais técnicos, fico com o menos e libertários, e nisso não importa quem é o vencedor. É uma questão de escolha, apenas.